Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810) .

Por Francisco Soriano.

Caríssimos, com imensa honra, nosso blog hoje, abre as portas ao nosso querido "Tio" Soriano, para dividir com vocês precioso estudo sobre as raizes da "Conjuração Mineira" e em especial sobre Tomás Antônio Gonzaga nos seus 200 anos,abraço fraternal, mnc...

Veneráveis Mestres das Augustas e Respeitáveis Lojas Maçônicas Henrique Valadares, União e Tranquilidade, Adonai e Novo Século.

Retrato de Tomás Antônio Gonzaga

Feliz e Sábia a iniciativa de celebrarmos os dois séculos sem Tomás Antônio Gonzaga, determinada por decreto do Sereníssimo Grão-Mestre Geral do Grande Oriente do Brasil, Marcos José da Silva.
De todos os mártires da gloriosa Conjuração Mineira, sempre conferi uma especial atenção para o brilhante orador e poeta Tomaz Antônio Gonzaga, porque este viveu uma das dores mais profundas que um ser humano poderia sentir: a violenta separação de seu grande amor, sua noiva

Maria Dorotéia Joaquina de Seixas Brandão, a pastora Marília, musa inspiradora de suas liras poéticas, editadas no livro “Marília de Dirceu”, onde ele recorre a dois pseudônimos para designar Dorotéia e Gonzaga, preservando assim ambas as reputações.

Nascido a 11 de agosto de 1744, na cidade do Porto, em Portugal, Gonzaga tornou-se órfão com menos de um ano de idade. Sua mãe portuguesa, Tomásia Isabel Clark, deixou viúvo o brasileiro João Bernardo Gonzaga, magistrado.
Em 1751, o menino Gonzaga mudou-se para Pernambuco, depois para a Bahia, vindo a estudar no Colégio dos Jesuítas. Ainda adolescente, retornou a Portugal para completar os estudos, matriculando-se na Universidade de Coimbra, onde concluiu o curso de direito aos 24 anos.
Formado, candidatou-se a uma cadeira na Universidade de Coimbra, elaborando a tese "Tratado de Direito Natural".

Tomás Antônio Gonzaga voltou ao Brasil em 1782 trazendo na bagagem uma biblioteca com 90 livros. Nesse mesmo ano foi indicado para ocupar o cargo de Ouvidor Geral na comarca de Vila Rica (atual Ouro Preto), onde escreveu as Cartas Chilenas, um conjunto de 13 cartas num tom satírico que circulou anonimamente em Vila Rica, entre 1787 e 1788. Nelas, “Critilo”, pseudônimo de Gonzaga, denunciava as irregularidades do então governador, Luís da Cunha Menezes, seu adversário político, retratado na obra como o governador da capitania geral do Chile chamado de Fanfarrão Minésio.

(...) Findou-se, Doroteu, a longa história :
Da entrada deste chefe, agora vamos,
Que é tempo, descansar um breve instante.
Nas outras contarei, prezado amigo,
Os fatos, que ele obrou no seu governo,
Se acaso os justos céus quiserem dar-me.
Para tanto escrever, papel e tempo.

(...) Pretende, Doroteu, o nosso chefe
Mostrar um grande zelo nas cobranças
Do imenso cabedal que todo o povo,
Aos cofres do monarca, está devendo.
Envia bons soldados às comarcas,
E manda-lhes que cobrem, ou metam,
A quantos não pagarem nas cadeias.

Entraram, nas comarcas, os soldados,
E entraram a gemer os tristes povos.
Uns tiram os brinquinhos das orelhas
Das filhas e mulheres; outros vendem
As escravas, já velhas, que os criaram,
Por menos duas partes do seu preço.
(CRITILO, Cartas Chilenas.)

A esse tempo, Gonzaga torna-se amigo do também advogado e poeta Cláudio Manuel da Costa e se apaixona por Dorotéia (1767-1853). Mas a torrente do destino o leva a se envolver na revolta reinante na província mineira contra a Metrópole, que vai desaguar na “Inconfidência” Mineira.

A “Inconfidência Mineira”

Preferimos chamar Conjuração Mineira, porque Inconfidência foi uma maneira pejorativa pela qual Portugal procurou tratar esse importante movimento conspiratório, ocorrido em 1789, cuja motivação imediata consistia no descontentamento gerado pela forma insuportável com que Portugal explorava as minas de ouro daquela região. O Brasil não tinha uma Constituição nem o direito de desenvolver indústrias em seu território.
Ao fundo, em destaque, o prédio da antiga Casa de Câmara e Cadeia de Vila Rica, atual Museu da Inconfidência.
Não se pode omitir que a Conjuração Mineira foi arquitetada pelas elites de Vila Rica, composta de ricos e intelectuais que haviam estudado na Europa e voltavam ao Brasil com influências do pensamento dos iluministas franceses (Rousseau, Montesquieu, Voltaire e Diderot), cujos ideais impulsionaram a independência dos Estados Unidos (1776) e, 13 anos depois, a Revolução Francesa e a própria rebelião de Minas.
Os sistemas de colonização das Américas, governados pelas monarquias absolutistas de nações europeias, davam mostras de saturação e insustentabilidade já a partir da proclamação da independência dos Estados Unidos.
O motivo imediato da revolta residia no desejo de os mineiros se libertarem da cobrança, por Portugal, de tributos, estipulados em um quinto em ouro supostamente produzido pela capitania, cujos atrasados seriam arrancados através de uma violenta e humilhante derrama já anunciada pela Coroa.
Os planos dos revoltosos eram libertar o Brasil de Portugal, instituindo um governo republicano com capital em São João Del Rei.
Seria adotada uma nova bandeira, que teria um triângulo no centro com a frase latina: Libertas Quae Sera Tamem (Liberdade, ainda que Tardia), figura incorporada pela atual bandeira mineira.
As demais metas do movimento eram: desenvolver indústrias no país; criar uma Universidade em Vila Rica (a primeira no Brasil); instituir o serviço militar obrigatório; incentivar a natalidade (preocupação com o povoamento), oferecendo pensões para as mães com muitos filhos; dentre outras iniciativas.
Não havia entre os conjurados a intenção de acabar com a escravidão.
Seu primeiro presidente seria, durante três anos, Tomás Antônio Gonzaga, nosso homenageado, após os quais haveria eleições.
Os outros destacados revoltosos foram Cláudio Manuel da Costa, os coronéis Domingos de Abreu Vieira e Francisco Antônio de Oliveira Lopes, os padres José da Silva e Oliveira Rolim e Carlos Corrêa de Toledo, o cônego Luís Vieira da Silva, o sargento-mor Luís Vaz de Toledo Pisa, o minerador Inácio José de Alvarenga Peixoto e o alferes Joaquim José da Silva Xavier, apelidado de "Tiradentes", o mais exacerbado do movimento.
Na organização da Conjuração Mineira, é imprescindível citar a liderança dos maçons Domingos Vidal Barbosa, José Joaquim da Maia e José Álvares Maciel, iniciados na maçonaria europeia. José Álvares Maciel é considerado por muitos pesquisadores como o autor intelectual da Conjuração Mineira.
Naquela época, a maçonaria, pelo fato de seus membros pensarem criticamente, não era admitida em território brasileiro, assim como na Metrópole.

Conforme escreveu Nêodo Ambrósio de Castro:
(...) As lojas maçônicas eram proibidas de funcionar e seus membros perseguidos e presos pelo crime de pertencerem a tal ordem. Já naquela época existia o jeito brasileiro de resolver as coisas, ou seja jeito de dar legalidade à coisas proibidas.
Partindo de Tomás Antônio Gonzaga e José Álvares Maciel, as iniciativas para arregimentação de adeptos à causa, contou com a fundação de Lojas em Minas, Rio de Janeiro e São Paulo, onde se faziam reuniões e traçavam-se planos para a rebelião. Naturalmente essas lojas, apesar de reunir somente maçons não tinham título de Lojas Maçônicas. Eram sociedades Literárias. Academias, Aerópagos e Arcádias Literárias.
No livro do historiador Antonio Augusto de Aguiar - A Vida do Marques de Barbacena - página 7, destacamos:
(...) organizou Álvares Maciel sociedades em Minas, Rio de Janeiro e São Paulo, com intuito de, por meio delas, fazer a propaganda das ideias e preparar elementos, que na hora oportuna, fizessem a revolução".
Também é preciosa a narrativa do historiador Gustavo Barroso em uma das suas obras:
(...) Em Vila Rica, sede do governo da capitania, havia uma roda de homens cultos, participantes de uma arcádia literária, a qual facilmente se tornaria o centro diretor de qualquer momento de ideias a se objetivar em ação. Tornou-se, com efeito, e envolto em tanto mistério, que mal sabiam os conjurados do que nele se tratava, nem ao certo as pessoas de que se compunha.
A verdade é que os revoltosos não dispunham de tropas nem de armas para conquistar o poder. Também não contavam com a participação do povo. As camadas mais baixas não participaram até porque a revolução não visava a acabar com a opressão social interna que explorava a maioria do povo. Toda conspiração foi tratada de maneira silenciosa.
Abstraindo os erros na preparação do movimento, precisamos ressaltar que aquela rebelião constituiu o início do processo de independência do Brasil.
A Conjuração devia acontecer quando fosse anunciada entre os revoltosos a seguinte senha: "Hoje é dia do batizado".
Desgraçadamente, entre os conjurados havia traidores. O pior deles: o coronel Joaquim Silvério dos Reis, português e minerador, cujo prêmio pela delação consistiu no perdão da enorme dívida que ele tinha para com a Coroa.

Leitura da sentença dos inconfidentes

Foram presos, processados, julgados e condenados pela Conjuração Mineira 34 participantes, sendo cinco padres. 11 deles receberam sentença de morte, mas D. Maria I, rainha de Portugal, modificou a pena para degredo perpétuo em outras colônias portuguesas na África. Só Tiradentes teve sua pena de morte mantida, cuja glória maior foi ter reafirmado suas convicções e assumido toda a culpa pelo movimento, livrando assim todos os seus companheiros, como se pode verificar nas atas do processo.
Tiradentes foi condenado à morte pela forca e assim executado no Campo de São Domingos, no Rio de Janeiro, no dia 21 de abril de 1792. Após o enforcamento, teve o seu corpo esquartejado e exposto à execração pública nas ruas de Vila Rica, em Minas

Tiradentes esquartejado. Pedro Américo 1893

Gerais. Por tudo aqui narrado e por sua heróica declaração: "SE DEZ VIDAS EU TIVESSE, DEZ VIDAS EU DARIA PELO BRASIL", nada mais justo que considerar Joaquim José da Silva Xavier o maior herói nacional.
Voltando ao nosso homenageado.
Faltando apenas um mês para o seu casamento, marcado para maio de 1789, com a jovem Dorotéia, de origem rica, 23 anos mais nova do que ele, Gonzaga foi levado preso, acusado de ser um dos chefes da Conjuração Mineira e levado para a Fortaleza da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro. Foi condenado, em um dos processos que respondeu, a ter todos os seus bens confiscados e a cumprir inicialmente uma pena de três anos.
Posteriormente, a condenação de Tomás Antônio Gonzaga foi convertida em degredo perpétuo na África. Partiu para Moçambique em 1792.
No desterro, Gonzaga hospeda-se em casa de abastado comerciante de escravos, Alexandre Roberto Mascarenhas, que intercedeu para reduzir sua pena de degredo perpétuo para 10 anos. Mascarenhas também agiu para nomeá-lo Juiz de Alfândega, procurador da Coroa e Fazenda. Um ano depois, Gonzaga veio a se casar com sua filha de 18 anos, Juliana de Sousa Mascarenhas, analfabeta, com quem teve um casal de filhos. Em Moçambique viveu como rico e prestigiado, durante quinze anos, até morrer em 1810, acometido por uma grave doença que o deixou totalmente demente. Gonzaga passou seus últimos de vida curtindo uma paixão recolhida por Dorotéia, narrada em sua obra “Marília de Dirceu”.
Tomás Antônio Gonzaga nos legou as obras literárias “Tratado de Direito Natural”, “Marília de Dirceu”, com mais de 65 liras poéticas, e “Cartas Chilenas”. Ocupou a cadeira 37 da Academia Brasileira de Letras.
Castro Alves escreveu em sua homenagem a peça teatral “Gonzaga: A Revolução de Minas”, apresentada nas cidades de Salvador São Paulo, que mereceu de Machado de Assis uma crítica literária extremamente positiva.
Os dois maiores sonhos dos inconfidentes se realizaram: a nossa independência foi declarada em 7 de setembro 1822 e o da Proclamação da República em 15 de novembro de 1889.
Como escreveu Fernando Pessoa: “tudo vale a pena se a alma não é pequena”.
Maria Dorotéia morreu solteira aos 90 anos. Há registros pouco comprovados de que ela teria tido um filho em 1794 com Manuel Teixeira de Queiroga, rendeiro e arrematante de contrato, batizado de Anacleto Teixeira de Queiroga, que chegou a se formar em medicina no Rio de Janeiro.
Dorotéia somente soube do casamento de Gonzaga em Moçambique alguns anos depois. Todavia, leu as declarações do eterno e indestrutível amor de seu enamorado, a “Marília” cantada nas liras poéticas de “Dirceu”.
Lira IV
Mal vi o teu rosto,
O sangue gelou-se,
A língua prendeu-se,
Tremi, e mudou-se
Das faces a cor.
Marília, escuta
Um triste Pastor.
(...)
Se alguém te louvava,
De gosto me enchia;
Mas sempre o ciúme
No rosto acendia
Um vivo calor.
Marília, escuta
Um triste Pastor.

Se estavas alegre,
Dirceu se alegrava;
Se estavas sentida,
Dirceu suspirava
À força da dor.
Marília, escuta
Um triste Pastor.

Gonzaga e Dorotéia, dois divinos amores que nunca se reencontraram, ou melhor, que só se entrelaçaram na memória, no sonho, no pensamento e no espírito que nenhum tirano poderia apagar.

Referências Bibliográficas:

ALVES, Castro, Obra Completa, Rio de Janeiro, Editora José Aguiar Ltda., 1960.
Wikipédia, a enciclopédia livre
GONZAGA, Tomaz Antônio, Literatura Comentada, São Paulo, Abril Educação, 1980.
AQUINO, Rubin, Liberdade, Nem Pensar!, O Livro das Conjurações, Rio de Janeiro, Editora Record, 2001.
Fontes consultadas:
www.geocities.com
http://www.passei.com.br/tc2000/historia1/h10f.pdf
http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20080427065428AAecDQb
http://tuia.com.br/Lutas_Brasileiras/inconfid.htm
http://www.ouropreto-ourtoworld.jor.br/OPantigo.htm
http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/inconfidencia-mineira
Revista de História da Biblioteca Nacional, Número 19, Abril 2007.

*Francisco Soriano escreveu o livro e produziu o documentário

“A Grande Partida: Anos de Chumbo”. Mais sobre o autor, vide site: http://www.agrandepartidaanosdechumbo.com.br/